quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Mulher em frente ao fogão


Uma constante chama de gás
aquece a panela que chia na cozinha
enquanto um cheiro forte de tempero
enche a casa-
ela esta na frente do fogão,
trincheira de mais de vinte anos,
de pé, á espera,na frente do fogão
enquanto os filhos crescem,
vão sendo modelados pela vida e pelo tempo,
chegam e a beijam na testa
e ela na frente do fogão,
chegam e dizem um "olá" distante
e ela na frente do fogão,
chegam e não dizem nada
e ela na frente do fogão,
porque a chama abraça o fundo da panela
para que o jantar fique pronto,
para que eles matem a fome
e cresçam mais e se afastem dela cada vez mais
 
Ali na frente do fogão
o seu rosto outrora liso e jovem
foi sendo curtido
em sal e fogo,
em fumaça e tempo, em sofrimento e espera,
em susto e ingratidão.
E ela, paciente e quieta, em frente do fogão.
Chega o marido,
que o tempo também se incumbiu de transformar
em cansaço e desesperança,
e traz para a cozinha
os problemas da rua,
a insegurança no serviço,
o orçamento estourado,
a fila, a espera, o desconforto, a condução;
e ela na frente do fogão!
 
Não mais o beijo quente do retorno,
o olhar em festa,
os planos em comum
-um acre silêncio tempera a janta-;
uma dura troca de olhares
que já não se perguntam,
porque não há resposta a dar;
é o boa-noite de sempre
nas ruas, os amigos no bar bebendo a mmesma
dura cachaça e nervosa insatisfação,
em casa, o vazio que os filhos deixam
quando saem a medir a noite com os amigos-
e os coloridos sonhos de novela
e a companhia da televisão.
 
Eu Te peço por ela
nesta hora em que as sombras
iniciam a escalada de mais uma noite
pela sua alegria,
pela sua ilusão-
guarda a mulher na frente do fogão.
 Nesta hora marcada
pelo cheiro forte do tempero,
pela chama quase parada do fogão de gás-
enquanto eles não chegam dos caminhos da noite,
dos perigos do trânsito
e do ódio dos homens-
que ela tenha calma,
que ela tenha paz

sobre a sua cabeça envelhecida, estende a TUA poderosa mão.
E que ela possa ter a alegria da vida
na hora do preparo da comida
na frente do fogão.

RAFAEL GIÓIA MARTINS JÚNIOR, nascido em 09 de agosto de 1931, em Campinas – São Paulo, poeta que se destacou no cenário do evangelismo brasileiro e na poesia cristã brasileira. Poeta, Jornalista, Radialista, Político e Professor universitário. Foi Presidente do Sindicato dos Profissionais do Rádio e da Associação dos Radialistas do Estado de São Paulo. Foi Vereador em São Paulo e como Deputado Estadual, foi Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, tendo sido também Deputado Federal. Escreveu, entre outros, os seguintes livros: “CÂNTICO NOVO”, “MENINO POBRE”, “APARECEM AS FLORES NA TERRA”, “ESTÁTUAS DE SAL”, “CANTO MAIOR” e “BEM-ME-QUER.” Foi membro ilustre da Igreja Batista de Vila Mariana, sob a responsabilidade do Pastor batista Dr. Rubens Lopes, excelente cronista e autor de livros, como “UM POUCO DE SOL”, cuja apresentação foi feita pelo poeta Gióia Júnior.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Verão


Este fevereiro azul
como a chama da paixão
nascido com a morte certa
com prevista duração

deflagra suas manhãs
sobre as montanhas e o mar
com o desatino de tudo
que está para se acabar.

A carne de fevereiro
tem o sabor suicida
de coisa que está vivendo
vivendo mas já perdida.

Mas como tudo que vive
não desiste de viver,
fevereiro não desiste:
vai morrer, não quer morrer.

E a luta de resistência
se trava em todo lugar:
por cima dos edifícios
por sobre as águas do mar.

O vento que empurra a tarde
arrasta a fera ferida,
rasga-lhe o corpo de nuvens,
dessangra-a sobre a Avenida

Vieira Souto e o Arpoador
numa ampla hemorragia.
Suja de sangue as montanhas,
tinge as águas da baía.

E nesse esquartejamento
a que outros chamam verão,
fevereiro ainda em agonia
resiste mordendo o chão.

Sim, fevereiro resiste
como uma fera ferida.
E essa esperança doida
que é o próprio nome da vida.

Vai morrer, não quer morrer.
Se apega a tudo que existe:
na areia, no mar, na relva,
no meu coração - resiste.
 

Ferreira Gullar

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Tempo


“Perdemos tempo
em querer ter tempo.
Para o fútil
que nos tira o tempo
leva-nos a cega
sem ver o passar do tempo,
e Deus com sentimento imenso
espera paciente uma renuncia
do nosso tempo”

A busca no silêncio


No puro silêncio de algum momento
Me desato de qualquer pensamento,
E te busco Senhor com coração desejoso
em sossegar a alma
no teu eterno amor majestoso

Assim eu cresço
e me acresço,
nos teus suaves braços
sem desfazer-me
de ti a qualquer preço,
a vontade de querer o teu abraço
que não me falta

Ainda que minha imperfeição
me faz distante,
fica, Senhor, comigo,
Segura minha mão,
e faça maior que o mundo meu coração